José Mauricio Nunes Garcia

UM JOSÉ (POEMA POPULAR)



I.
No ano de Nosso Senhor
Mil, setecentos e sessenta e sete,
Nasceu um compositor
De cujo talento inconteste
Em versos faremos louvor.
II.
O Rio de Janeiro a glória
Teve de abrigar figura
Que abrilhantou sua história,
Mas hoje não tem memória
De homem de tal estatura.
III.
Tinha José pais mulatos
E sua ascendência era escrava,
Se a origem pouco ajudava,
Não fosse pelos seus atos,
O fim dos Josés lhe restava.



IV.
Desde cedo mostrou talento
Para a música e a oratória;
Mesmo sem ensinamento,
Hinos tocava, de memória,
Sem qualquer esquecimento.
V.
Mauricio Nunes Garcia
Chamava-se nosso José,
Como pobre ele sabia
Que somente pela Fé
Seus estudos concluiria.
VI.
Para padre ser ordenado,
Desculpas pela cor negra
Pediu, e embora humilhado,
Seguiu a racista regra
Do clero, e foi aprovado.



VII.
O seu talento musical
De tão belo e imaginoso,
Fez de José o principal
Compositor religioso
Do Brasil colonial.
VIII.
Mas as coisas iam mudar:
O príncipe Dom João,
Por pouco logrando escapar
Das tropas de Napoleão,
Veio para o Rio morar.
IX.
Não trazendo de Portugal
Nenhum talento musical,
Soube a José dar valor,
E o fez mestre compositor
Da própria Capela Real.



X.
José tocava com frequência
Para o príncipe Dom João,
Tão estreita convivência
Causou muita maledicência
Na corte do Rio de então.
XI.
Não podia na Corte entrar
Um homem de pele escura,
E a atenção para si roubar,
Sem que logo fossem tramar
Contra sua pobre figura.
XII.
Os músicos se revoltaram,
Contra o que imaginaram
Ser suprema humilhação:
Seu comando recusaram:
Melhor não ter profissão.



XIII.
Só restou a Dom João
Convocar de Portugal
Seu músico principal,
Para resolver a questão
E voltar tudo ao normal.
XIV.
Então o emprego perdeu,
Conservando a dignidade
José, a quem Dom João deu
Provas de grande amizade,
Mantendo-o do bolso seu.
XV.
Quando a mãe de Dom João,
A rainha Maria, morreu,
Para a triste ocasião,
Padre José lhe escreveu
Uma nova composição.



XVI.
No mesmo dia, morria
A mãe muito querida,
Assim, enquanto escrevia,
Ele a mesma dor sentia
Pelo infortúnio da vida.
XVII.
Com a França derrotada,
E exilado Napoleão,
De permanecer Dom João
Na colônia explorada
Não havia qualquer razão.
XVIII.
Ele a Portugal retorna,
Seu filho Pedro, aqui fica,
E o Brasil livre se torna,
Nos trópicos ele edifica
Nova nação, mas não rica.



XIX.
Perde José o sustento
Que o amigo João lhe dava,
A sua pobreza se agrava,
Desde então qualquer provento
Dom Pedro lhe recusava.
XX.
Sem queixar-se da sua pena,
José uma moda escreve,
Uma composição pequena,
Para dizer a quem lhe deve:
"Beijo a mão que me condena".
XXI.
Em mil, oitocentos e trinta
Morre o músico apreciado,
A mão de reis havia beijado,
Mas por sua pele retinta,
Por eles foi condenado.

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Méthodo de Pianoforte, CPM 236 (1ª Parte Lição 6)
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