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A Quinta da Boa Vista em 1808
A Quinta da Boa Vista
A Quinta da Boa Vista, cedida a D. João por Elias Antônio Lopes.
Vê-se como era em 1808, e os melhoramentos executados até 1816. 1

O MESTRADO NA CAPELA REAL

A mudança da corte para o Rio de Janeiro foi traumática para a cidade de sessenta mil habitantes. Estima-se que a comitiva da família real contava quinhentas pessoas, mas nos anos que se seguiram, chegaram à cidade cerca de quinze mil novos habitantes, que precisavam de moradia e alimento. Na falta de casas disponíveis, a solução foi tomá-las pela força. Uma vez escolhida, a casa era marcada com as iniciais P.R. (Príncipe Regente), e os ocupantes tinham por obrigação liberá-la em 24 horas.

Malgrado o transtorno, a população considerava a instalação da Corte uma oportunidade de progresso para a cidade. Além da instituição da Real Capela, o príncipe regente se empenhou em recriar no Rio de Janeiro as mesmas instituições que o serviam em Portugal. Em poucos meses, funcionavam a Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens, a Casa da Suplicação, o Real Erário, o Banco do Brasil e a Impressão Régia 2. Essas instituições prenunciavam o fim da dominação colonial, abolida juridicamente em 1816 com a elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves, e possibilitariam, em 1822, a independência do País.

Para evitar problemas com o abastecimento de alimentos devido ao aumento súbito da população, o príncipe regente ordenou melhorias na Fazenda Real de Santa Cruz, antigo assentamento jesuíta, distante sete léguas (50 km) da cidade. A propriedade fora confiscada pela Coroa em 1769, com a expulsão dos jesuítas de Portugal e de todas as colônias. Os alimentos lá produzidos eram transportados para o Rio e vendidos na ucharia, o depósito de alimentos da cidade, anexo ao convento do Carmo. A fazenda seria logo transformada em residência de verão para a família real. Desde a época dos jesuítas, nela havia um coro de escravos, e pressupondo que seriam úteis nas missas, o príncipe regente ordenou a dois professores de música que lá residissem e trabalhassem para melhorar as habilidades musicais deles.

O conjunto formado pelo coro de capelães cantores e pelos músicos da Sé não agradara ao príncipe, habituado com o conjunto da Patriarcal de Lisboa, composto por profissionais cuja técnica e virtuosismo eram louvados entre as capelas principescas da Europa. Com a vinda desses artistas para o Rio de Janeiro impossibilitada pela ocupação do Reino, a música nas cerimônias reais esteve, no decorrer de 1808, a cargo do conjunto da Sé. A tarefa de compor novas obras coube ao mestre de capela. José Maurício cumprira uma extensa lista de compromissos no ano de 1808, pois além das cerimônias do calendário litúrgico da Sé, fora responsável pela música da Irmandade de São Pedro; pela direção da música nas cerimônias arrematadas ao Senado da Câmara em 1807 e ainda contraíra mais alguns compromissos em função da chegada da família real, como a música para a procissão do Corpo de Deus, que inaugurou a Capela Real. As últimas cerimônias de 1808 celebraram a restauração de Lisboa 3 e o Natal. Pela libertação da cidade foi mandado celebrar um tríduo na Capela Real, nos dias 19, 20 e 21 de dezembro. Outra cerimônia foi celebrada na igreja da Ordem Terceira do Carmo, pelo Senado da Câmara, sem a participação do mestre de capela 4.

A maior parte do repertório composto em 1808 foi de obras para coro com acompanhamento de órgão, com o reforço de fagotes e contrabaixos. As composições principais de 1808 foram a "Missa da Purificação de Nossa Senhora" (CPM 103); "Missa de São Pedro de Alcântara" (CPM 104), para o dia 19 de outubro, dedicada ao príncipe Dom Pedro, a "Missa Pastoril" (CPM 108), a "Missa em Fá" (CPM 119); um "Credo" (CPM 121); um "Qui Sedes" orquestrado (CPM 162); e algumas obras que se perderam: um "Benedictus alternado para a festa de Nossa Senhora da Gloria" (CPM XII); uma "Missa e Credo da Natividade" (CPM CV); as "Matinas da Assunção para 4 vozes e órgão" (CPM CXXVIII); as "Vésperas de Nossa Senhora", da qual se registrou um "Magnificat" (CPM CXXXVII); e as "Primeiras e segundas vésperas do Corpo de Deus" (CPM CXXXVa). Além da contribuição costumeira às festividades da Irmandade de São Pedro.

Libertada a capital, o príncipe regente mandou chamar ao Rio de Janeiro os cantores e músicos da Patriarcal 5, que a partir de setembro de 1809 começam a ser admitidos na Real Capela. O ingresso deles foi gradual e se intensificou em 1811. A presença desses artistas tornou o Rio de Janeiro, na opinião de viajantes europeus, um importante centro musical na época. Eles também influenciaram diretamente as composições do mestre de capela. José Maurício passa a compor árias sob medida para a extensão vocal e os recursos técnicos dos solistas planejados a interpretá-las, assinalando nas partituras o nome deles. No entanto, o preconceito com relação a um regente brasileiro e mulato fez com que os artistas de Lisboa se organizassem num grupo de pressão contra ele 6.

A Capela Real, ao ser criada, adotou provisoriamente o estatuto da Sé do Rio de Janeiro, de 1733, até que um estatuto próprio fosse redigido; a responsabilidade fora atribuída pelo príncipe regente ao bispo e capelão-mor. A ordem foi cumprida ao longo de 1808 e 1809; e a minuta de estatuto foi entregue ao príncipe em 4 de agosto desse ano. Em função de sucessivos refinamentos, decorreria mais um ano até a aprovação do texto definitivo, em 27 de setembro de 1810. O estatuto atribuía ao mestre de capela encargos extras, como dar parte ao apostilador das faltas de cada um dos músicos e cantores e dos erros cometidos, para efeito de multas subtraídas dos respectivos pagamentos. Funções que definitivamente não contribuíam para o bom relacionamento entre o regente e os regidos 7.

Em 1809, mesmo com a orquestra ainda incompleta, foram também numerosas as cerimônias na Capela Real. A comemoração do padroeiro da cidade, em 20 de janeiro, foi a primeira presidida pelo bispo e Capelão-Mor, com a presença do príncipe. Em 7 de março, é celebrado o primeiro aniversário da "feliz chegada" da família real ao Rio de Janeiro, com missa e "Te Deum", celebração mantida até 1822. O Senado da Câmara fez repetir no dia seguinte a mesma cerimônia na Capela da Ordem Terceira do Carmo.

As obras de 1809 que aos nossos dias chegaram são: o moteto "Felix Namque" (CPM 54); o "Te Deum das Matinas de São Pedro" (CPM 92) "Missa de São Pedro de Alcântara" (CPM 105); a sequência "Lauda Sion" (CPM 165), para a festa do Corpo de Deus; um "Stabat Mater a 4 vozes" (CPM 166), composto a partir de um tema cantado pelo príncipe regente; o responsório "Simon Petre" (CPM 171), das "Matinas de São Pedro" (CPM CXXX); "Ofício de Defuntos para 4 vozes e órgão" (CPM 184); o moteto “Judas Mercator Pessimus” (CPM 195); as "Matinas da Ressurreição" (CPM 200); o moteto "Vexilla Regis" (CPM 225), a 4 vozes. Dentre as composições de 1809 das quais so existe a referência histórica, figuram: um "Ecce Sacerdos a 8 vozes e órgão" (CPM V) a "Ladainha de Nossa Senhora" a 4 vozes e órgão" (CPM XXV), composta para a irmandade da Ordem Terceira do Carmo; e uma série de motetos: um "Moteto de Nossa Senhora para Procissões a 6 vozes" (CPM XXXI); um "Moteto para o Setenário das Dores de Nossa Senhora a 4 vozes e órgão" (CPM XXXII); um "Moteto para a Aclamação do Rei Senhor D. João IV a 8 vozes" (CPM XXXIII); um "Moteto para as Trezenas de Santo Antônio" (CPM XXXIV); um "Fallas Gratia a 4 vozes e órgão" (CPM XXXV), do responsório de Santa Ana; um "Moteto e Responsório do Anjo Custódio do Reino" (CPM XXXVI); um "Moteto para o 2º e último Responsório das Matinas do Espírito Santo a 4 vozes e órgão" (CPM XXXVII); um moteto "Cum Jejunatis" (CPM XXXVIII), para o ofertório da Missa de quarta-feira de cinzas, a 4 vozes; um moteto "In Jejunio" (CPM XXXIX) para a primeira dominga da quaresma, a 4 vozes; um moteto "Vidi Dominum" (CPM XL) para a segunda dominga da quaresma, a 4 vozes; um moteto "Videns Jacob" (CPM XLI) para a terceira dominga da quaresma, a 4 vozes; um "Moteto para 4ª feira de cinzas" (CPM XLIV); um "Credo a 8 Vozes" (CPM CLVI); a sequência "Victimæ Paschali" (CPM CXIV); as "Vésperas a 6 vozes e órgão" (CPM CXXXVIII); uma "Novena de São José" (CPM LIX); uma "Novena do Santíssimo Coração de Jesus (CPM LX); uma "Missa da Imaculada conceição" (CPM CVII), a 4 vozes e órgão; uma "Missa de São Miguel Arcanjo" (CPM CVIII); uma "Missa e Credo da Visitação de Nossa Senhora e do Anjo Custódio do Reino" (CPM CIX). Além da música para as festividades da Irmandade de São Pedro.

Ainda nesse ano José Maurício compôs, pela primeira vez, música para o teatro: um elogio dramático de autoria de Gastão Fausto da Câmara Coutinho intitulado "Ulissea, Drama Eroico" (CPM 229), cujo tema era a vitória portuguesa na primeira invasão do Reino. O subtítulo da composição traz a data em que seria apresentada: 24 de junho. É possível que tenha sido apresentada somente no dia 17 de dezembro, aniversário da rainha 8. A parceria se repetiu no ano seguinte, com outra peça dramáitica, intitulada "O Triunfo da América" (CPM 228), apresentada em 13 de maio, aniversário de D. João e data do casamento de sua filha, a infanta Maria Teresa. A cantora brasileira Maria da Conceição da Lapa, a "Lapinha", foi a solista indicada para ambas as obras. Para essa cantora já havia, em 1808, dedicado um pequeno "Coro para o entremês de Manoel Mendes" (CPM 227).

Em fevereiro de 1809, ocorreu um gesto de consideração do príncipe: a concessão da Ordem do Hábito de Cristo. Impressionado com a atuação do mestre de capela como cravista e cantor, ao apresentar obras de Mozart e Cimarosa no palácio da Quinta da Boa Vista, D. João retirou a condecoração da casaca do Visconde de Vila Nova da Rainha e a anexou à batina do padre, o indicando a Cavaleiro na Ordem de Cristo. O rito de entrada na Ordem exigia a passagem por "provanças e habilitações", o que incluía ter a vida particular investigada. Temendo a descoberta da relação conjugal que já lhe gerara dois filhos, José Maurício solicitou a dispensa dessas "provanças e habilitações". Seu prestígio era tal que, além da dispensa, lhe foi permitido portar a comenda em público mesmo antes da conclusão do processo. A cerimônia de ordenação ocorreu em 17 de março de 1810, e o mestre de capela teve por padrinhos frei José Marcelino Gonçalves, Francisco José Rufino de Souza Lobato e o já barão de Vila Nova da Rainha. A nomeação lhe garantia uma tença de 32$000 mensais, que lhe trouxe alívio às dificuldades financeiras.

Aproveitando a consideração dispensada, José Maurício recorreu á Justiça para tentar reaver as terras em Obatiba (Ubatiba), município de Maricá, herdadas pela mãe ao enviuvar do primeiro marido. Por falha processual o resultado lhes foi desfavorável. Haveria outra tentativa de reclamar essas terras pelo filho, o Dr. José Maurício Nunes Garcia Jr., na década de 1850.

Ainda em 1809, recebeu nova atribuição, a de arquivista do recém chegado arquivo musical do Palácio de Queluz, instalado na enfermaria do Hospital do Carmo. O trabalho de arquivista permitiu que tomasse conhecimento de um repertório mais atualizado e aprendesse novas técnicas de composição. No entanto, o excesso de trabalho pelo acúmulo de funções prejudicou-lhe a saúde. A responsabilidade também fez com que fosse citado erroneamente por Adriano (Adrien) Balbi como proprietário do acervo, informação repetida por biógrafos pósteros 9.

Com a chegada da família real, a partir de 1808 ocorreu um aumento na quantidade de cerimônias paralitúrgicas, a cargo do Senado da Câmara. José Maurício solictou aumento do pagamento anual de 104$000 para 200$000, no que foi atendido. O Senado da Câmara no entanto lhe negou o pedido de pagamento de uma dobla 10 por função. Alêm disso, lhe dispensava o mesmo tratamento que aos demais conjuntos que arrematavam a música em cerimônias, com atrasos sistemáticos, pagamentos em parcelas e em menor valor que o contratado. Sua situação financeira se agravaria a partir de 1809, com a necessidade de sustentar a mãe, a concubina e dois filhos pequenos.

Em agosto de 1810 ele decidiu tomar um empréstimo no valor de 400$000 (quatrocentos mil réis) para saldar dívidas. O empréstimo seria pago em parcelas trimestrais no período de um ano. Não conseguiu honrar o pagamento no prazo; somente em 1812 o compromisso seria quitado 11.

Apesar dos problemas pessoais, o trabalho prosseguiu. As obras preservadas de 1810 são: a antífona "Ecce Sacerdos" (CPM 5) a 8 vozes, fagotes e baixos; o "Magnificat das Vésperas de São José" (CPM 17); o "Moteto de São João Batista" (CPM 55); a "Novena de Santa Bárbara" (CPM 65); e a "Missa de Nossa Senhora da Conceição" (CPM 106), para a padroeira do reino. Foi sua primeira missa a grande orquestra, um marco na produção musical mauriciana. As obras que se perderam são: uma "Ladainha de Nossa Senhora" (CPM XXVI) a 4 vozes e órgão; os motetos "Cantemus Domino" (CPM XLV) para a 4ª dominga da quaresma; o "Moteto das Dores de Nossa Senhora" (CPM XLV); um "Beati Omnes" (CPM LXIV); outro "Beati Omnes Qui Timent Dominum" (CPM LXVIII), para as vésperas do Corpo de Deus; um "Credidi" (CPM LXXIV) e um "Dixit Dominus" (CPM ) para vozes e órgão; um "Lætatus Sum" (CPM LXXIX) para vozes e órgão; um "Lauda Jerusalem" (CPM LXXXV), para as vésperas do Santíssimo Sacramento; um "Credo" (CPM CXV), a 4 vozes e órgão; as "Matinas de São Seastião" (CPM CXXXI); as "Vésperas de São José" (CPM CXXXIX) das quais só existe o "Magnificat" (CPM 17); as "Vésperas do Santíssimo Sacramento" (CPM CXLIII); as "Vésperas de Sant'Ana" (CPM CXLIV); o arranjo de um "Tu Devicto Mortis" (CPM CXLIVa), original de Marcos Portugal; além da música para a Irmandade de São Pedro.

O ano de 1811 começa para José Maurício com a costumeira celebração de São Sebastião, no dia 20 de janeiro, para a qual compôs um moteto "Hic est vere", a 9 vozes a capella; desta vez, o Senado da Câmara lhe honrou o pagamento de 128$000 com um pequeno atraso, no dia 30 de janeiro. Em março, compôs o "Te Deum" (CPM 93) para a celebração do terceiro aniversário da feliz chegada da família real ao Rio de Janeiro, a única preservada em documento autógrafo da série de composições específicas para este evento.

O apreço do príncipe regente ao mestre de capela não o demoveu do propósito de elevar a magnificência da música na Real Capela do Rio de Janeiro, e, quem sabe, diminuir o risco de ter que repetir composições por eventual inatividade dele. Para esses fins, renovará a ordem de convocação do mestre de música da Santa Igreja Patriarcal de Lisboa, Marcos Portugal, à Corte do Rio de Janeiro.


A Fazenda Real de St.ª Cruz
A Fazenda Real de Santa Cruz 12.
Nomeaçã Cavaleiro a Ordem do Hábito de Cristo
Nomeação de José Maurício Cavaleiro da Ordem do Hábito de Cristo, assinada pelo Conde de Aguiar 13.

1 DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Rio de Janeiro: Itatiaia, 1992. v. 3, pr. 20.

2 A Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens foi criada pelo alvará de 22 de abril de 1808, que unificava órgãos distintos em Portugal: os tribunais da Mesa do Desembargo do Paço, a Mesa da Consciência e Ordens, o Conselho do Ultramar e a Chancelaria-Mor da Corte e do Reino. A Casa de Suplicação do Brasil foi instituída pelo alvará de 10 de maio de 1808, por meio da transformação da Relação do Rio de Janeiro em tribunal superior de última instância, com a mesma alçada da Casa da Suplicação de Lisboa. O Real Erário foi instituído pelo alvará de 26 de Junho de 1808; e o primeiro Banco do Brasil, também o primeiro banco em território do Império Português, pelo alvará de 12 de outubro de 1808. A Impressão Régia foi estabelecida pelo decreto de 13 de maio de 1808, com o objetivo de se imprimir toda a legislação, os papéis provenientes das repartições reais e quaisquer outras obras.

3 A notícia da retirada das tropas francesas de Lisboa após a batalha de Vimeiro, em 21 de agosto de 1808, chegara ao Rio de Janeiro dois meses depois. Portugal seria invadido mais duas vezes: em 1809, pelo II Corpo de Exército francês, sob o comando do marechal Soult, e em 1810, pelo "Exército de Portugal", comandado pelo marechal Massena. As duas invasões seriam repelidas por forças anglo-lusas comandadas pelos generais Wellesley e Beresford, com grandes perdas para os franceses, e a capital não mais seria reocupada.

4 A cerimônia foi arrematada pelo tenente Manuel Rodrigues [Roiz] da Silva, mais tarde admitido na Capela Real. A documentação revela o expediente generalizado de atrasos no pagamento e de quebra de contrato por parte das autoridades: o regente recebeu o pagamento em 15 de março e um valor menor do que o negociado. MATTOS, Cleofe Person de. José Maurício Nunes Garcia - Biografia. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Biblioteca Nacional, 1997, p. 233.

5 Foram os seguintes os músicos e cantores chamados pelo Príncipe regente em 1809: José Capranica e António Cicconi, sopranos; Luigi Giglioni de Jesi [funções não mencionadas]; José Toti, soprano, organista e mestre de música; Fidele Venturi, baixo; António Pedro Gonçalves e João Mazziotti, músicos; Nicolau e Carlos Herédia, oboistas; Luísa Pio, harpista; Marcos Portugal, compositor e músico. SARRAUTTE, Jean-Paul. Marcos Portugal - Ensaios. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979, 180 p. pp. 113-14.

6 Manuel de Araújo Porto-Alegre cita alguns dos argumentos dirigidos contra o mestre de capela: "não tem gosto; nunca saiu daqui, não viu nada, não foi a Itália, não aprendeu, não teve mestre, não frequentou conservatórios! Tal era a ladainha estudada e uníssona de homens que nunca passaram do papel que representa o tubo de um órgão, e a quem a natureza havia negado o dom de combinar algumas notas e compor uns dez compassos". PORTO-ALEGRE, Manuel de Araújo. Apontamentos Sobre a Vida e as Obras do Padre José Maurício Nunes Garcia. In MURICY, José Cândido de Andrade et alii. Estudos Mauricianos. Rio de Janeiro: INM/FUNARTE/PRÓ-MEMUS, 1983. p. 27.

7 "I - Será o mestre de capela e nas suas faltas o músico mais antigo, ou o organista, obrigado a vigiar sobre a residência de todos os outros e a dar parte cada dia ao apontador das faltas de cada um deles, para serem apontados segundo o dia, e funções a que faltarem do modo que se acaba de dizer dos 'tesoureiros'. II - Poderão e deverão além disso, ser anotados pelos mestres de capela segundo a qualidade do erro que cometerem, não passando a multa nas primeiras 3 vezes da metade da quantia correspondente a um dia do seu ordenado, e devendo passar-se ao dobro, e a três dobros desta pena aos casos de reincidência e contumácia, aplicando-se sempre para a Fábrica da Igreja". MATTOS, op. cit., 1997. p. 74.

8 Em junho de 1809 ainda não havia chegado a notícia da derrota dos exércitos do marechal Soult, e portanto a apresentação de uma peça alusiva a vitória portuguesa seria inapropriada. Um aviso de 3 de dezembro enviado à fazenda de Santa Cruz adverte sobre a displicência nos ensaios: "Havendo sido presente a S.A.R. o Príncipe Regente Nosso Senhor que a bela peça em música composta pelo padre J. Maurício para ser posta em cena no augusto dia dos anos de S.M. a Rainha Nossa Senhora, tem sido tão pouco ensaiada pelos músicos e com tal negligência, que se faz muito difícil o poder ser a mesma bem e dignamente executada como S.A.R. deseja que infalívelmente seja: é S.A.R. servido que V. Exª, mandando chamar o Juiz de Fora inspetor do teatro, lhe ordene que daqui em diante, de manhã e de tarde, se façam os ensaios da sobredita peça, que nenhuma outra seja ensaiada neste intervalo e que de todo modo se procure que a mesma vá no sobredito dia em cena e vá dignamente". MATTOS, op. cit, 1997. p. 80.

9 Balbi foi um geógrafo e estatístico veneziano que em 1820 viajou por Portugal, onde recolheu informações que depois utilizaria no seu Ensaio estatístico sobre o reino de Portugal e Algarves. Nunca esteve no Brasil, o que contribuiu para que cometesse alguns erros. Assim ele se refere a José Maurício: "Esse mulato brasileiro é um compositor de muito mérito, digno rival de Marcos Portugal e, como este, primeiro compositor da Capela Real do Rio de Janeiro. Tanto mais digno de admiração o é pelo fato de nunca ter saído de sua pátria. Possui a mais completa coleção de música do Brasil, pois recebe as melhores obras que aparecem na Alemanha, na Itália, na França e na Inglaterra". BALBI, Adrien. Essai statistique sur le royaume de Portugal et d'Algarve. Paris: Rey et Gravier, 1822. 658 p. p. 487.

10 Dobra. Antiga moeda de ouro portuguesa cujo valor no século XIX era 12$800 (doze mil e oitocentos réis).

11 "Saibam quantos este público instrumento de Escritura de dívida e obrigação virem que no ano de nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e dez aos dezoito dias de agosto nesta cidade do Rio de Janeiro, na rua Bom Jesus, [...] onde eu, Tabelião, vim, apareceram presentes como outorgante devedor o Reverendo José Maurício Nunes Garcia, professo na Ordem de Cristo, Mestre da Capela Real, e como outorgado credor o capitão Mateus Francisco Gomes, morador da rua da Sapucaia, freguesia de Inhaúma, e vive da lavoura, [...] o outorgante se constitui devedor do outorgado a quantia de quatrocentos mil-réis, que pedirá emprestados ao mesmo outorgado, e este lhe empresta neste ato em moeda corrente e o Reverendo outorgante contou e recebeu, e disse que lhe pagará essa quantia em pagamentos iguais de três em três meses, que começarão a correr hoje, e hão de findar daqui a um ano, prefixo, satisfazendo-lhe juntamente nesse tempo os competentes juros que for vencendo à proporção que for pagando: e que a tudo isso se obriga por seus bens presentes e futuros e especialmente por uma morada de casas térreas que tem na rua das Marrecas, que partem com o coronel Antônio Nascentes Pinto por um lado e do outro com quem de direito for, as quais são livres de foro, pensão, penhora ou hipoteca alguma [...] além da qual oferece por fiador principal o capitão Antônio Carlos da Silva Ramalho, morador da sua chácara do bairro de São Cristóvão da Freguesia do Engenho Velho, o qual compareceu e foi por mim reconhecido e disse que de fato se obriga na solução dessa dívida como fiador e principal pagador dela por seus bens presentes e futuros". MATTOS, op. cit, 1997. p. 238.

12 DEBRET, op. cit., 1992. v. 3, pr. 33.

13 "Havendo o Príncipe Nosso Senhor feito mercê a José Maurício Nunes Garcia do Hábito da Ordem de Cristo, por decreto de cinco do corrente mês e ano, e não cabendo na urgência do tempo a expedição dos despachos necessários para receber e professar a dita Ordem: Há por bem conceder-lhe faculdade por tempo de três meses, para que possa usar livremente da Insígnia do Hábito da Ordem de Cristo, sem embargo de não ser ainda Professado. E para sua salva e guarda mandou passar esta. Palácio do Rio de Janeiro, em 26 de Abril de 1809. Conde de Aguiar". Acervo Cleofe Person de Mattos, documento 02-06-04d. Acesso: 09/03/2012.


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