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François Froger, “São Sebastião/Vila Episcopal do Brasil”, ca. 1695.1
A Matriz de São Sebastião, destacada à esquerda da ilustração, desapareceu no arrasamento do Morro do Castelo, em 1922.

A TRADIÇÃO MUSICAL DA SÉ

A Diocese do Rio de Janeiro foi criada em 16 de novembro de 1676, por meio da Bula Romani Pontificis pastoralis sollicitudo, promulgada pelo Papa Inocêncio XI, que elevou a Matriz de São Sebastião, no Morro do Castelo, à condição de Igreja Catedral.

A Provisão Régia de 18 de novembro de 1681, além de determinar o número, cargo e vencimento dos capitulares e ministros eclesiásticos, traz o primeiro registro referente à música: um dos dispositivos instituiu um pequeno conjunto, com quatro capelães cantores, um subchantre, quatro moços de coro, um organista e um mestre de capela.

Essa intromissão da realeza nos assuntos espirituais é explicada pela instituição do Padroado, que vigorava em Portugal desde 1514. Nesse ano o Papa Leão X, por meio da bula Dei fidei constantiam, concedeu ao Rei D. Manuel I o título de Grão Mestre da Ordem de Cristo, tornando-o chefe da igreja no Reino e nas colônias. Os integrantes do clero passaram a receber os proventos dos cofres da Coroa, como funcionários públicos. E, de fato, cumpriam algumas funções cartoriais, como o registro do batismos, casamentos e óbitos, que na época valiam pelo registro civil.

Com o Alvará de 19 de outubro de 1733, o número de capelães cantores foi elevado de quatro para oito. O Alvará também dobrava os vencimentos de todas as dignidades, do subchantre e do organista, mas deixava sem aumento o mestre de capela. Nesse ano, por estar já bastante desgastada a Igreja Matriz de São Sebastião, a Catedral foi transferida para a a Igreja de Santa Cruz dos Militares, na Rua Direita.

Três anos depois, em 1736, o Cabido da Sé do Rio de Janeiro ganhava os primeiros estatutos 2, copiados dos da Diocese da Bahia (1718). O capítulo 40 caracteriza a função do mestre de capela: reger a música nas principais cerimônias, ou nas extraordinárias a pedido do Cabido. Não mencionam os estatutos a obrigação de compor 3. Isso abria uma brecha para que os mestres de capela importassem partituras ou subcontratassem outros compositores, a depender da urgência do que lhes era demandado.

Em 1 de agosto de 1737, a Sé foi mais uma vez transferida para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, na Rua da Vala (atual Uruguaiana), onde permaneceu até 1808. A estadia foi pontuada por conflitos envolvendo a elite eclesiástica e os “pretinhos” da Irmandade.

Embora a documentação comprove ter sido a Catedral um centro musical, com exceção das obras do padre José Maurício, não chegaram até os nossos dias partituras de compositores que atuaram no século XVIII. A razão disso foi informada pelo Monsenhor Pizarro e Araújo, em 1793: “Tendo assás revolvido o que nele se contém, ainda me parece incrível que se conserve coisa digna de memória e de estimação; porque a desordem de nossos antecessores é [...] excessiva pela sua moleza, falta de cuidado, de zelo e interesse pelo que [diz] respeito à Mesa Capitular [...]” 4,

Alguns músicos nascidos no Rio de Janeiro são reconhecidos como compositores no século XVIII: Frei José Pereira de Sant'Ana, Frei João de Santa Clara Pinto, Antônio Nunes de Siqueira e Frei Manuel da Silva Rosa.

As composições de Frei José Pereira de Sant'Ana (1696-3 de janeiro de 1759), eram apresentadas no Rio de Janeiro, antes que viajasse para Portugal. No reino, escreveu a História da Ordem Carmelitana. Testemunhou o terremoto de Lisboa, em 1755, o que lhe afetou as faculdades mentais.

Frei João de Santa Clara Pinto (1735-1825), ordenado em 1760, foi compositor de canto coral em vários conventos do Rio de Janeiro e em igrejas de cidades vizinhas a São Paulo.

Antônio Nunes de Siqueira (1701-1783), foi eminente teórico e era tido como compositor de qualidade. Colaborou com a obra Escola do Canto de Órgão, do mestre de capela da Bahia, frei Caetano de Melo e Jesus. Sem ter tomado ordens, ocupou o mestrado na Catedral do Rio de Janeiro em 1733, sendo preterido no aumento dos vencimentos pelo Alvará de 19 de outubro. Casou-se em 1734 com D. Joana Vieira de Carvalho Amada. Em 1736, já viúvo e com uma filha, solicitou a ordenação, que somente ocorreu dez anos mais tarde. Esse período ficou marcado por uma tentativa malscucedida de substituir os músicos da Catedral por outros mais competentes. Sua insistência em fundar um convento Carmelitano para freiras - o Convento de Santa Teresa - lhe rendeu a prisão entre 1752 e 1753. Conseguiu o objetivo após ser libertado e viajar para Portugal, mas a atitude lhe valeu a animosidade do bispo. Exerceu no convento a função de professor de música das freiras, até a morte em 1783.

Frei Manuel da Silva Rosa, morto em 1794, é citado por Araújo Porto Algere 5, como compositor de destaque no século XVIII. Não há documentação que o ligue à Catedral; no entanto, sua Paixão de Jesus Christo era cantada na Capela Imperial e no convento de S. Francisco ainda em meados do Século XIX.

Ocuparam o cargo depois de Nunes de Siqueira outros músicos, sobre os quais não há comprovação de que form compositores: o Padre Gervásio da Santíssima Trindade Machado e o Padre João Lopes Ferreira.

De Gervásio da Santíssima Trindade Machado há pouquíssima documentação. Sabe-se que era mestre de capela por volta de 1760.

Padre João Lopes Ferreira, antecessor de José Maurício, foi mestre de capela de 1780 a 1798. Em 1781, passou a desempenhar informalmente a função de subchantre. Confirmado nesse cargo em 1789, apenas por ele recebia os proventos, apesar do acúmulo de funções. Como não há registro de composição sua, resta a dúvida se compunha ou apenas regia as composições do talentoso pupilo 6.


Nomeação de João Lopes Ferreira subchantre da Sé
Nomeação de João Lopes Ferreira subchantre da Sé do Rio de Janeiro, em 24 de agosto de 1789. 7


1 REIS, Nestor Goulart. Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial. São Paulo: Edusp, 2000. p. 162-163.

2 Estatutos do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro 1736.Acervo Musical do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro. Documento CRI-SD100. Acesso: 30/10/2014.

3 "Será obrigado o Mestre de Capela a cantar todas as Vésperas de dias clássicos de preceito, e todas as missas solenes de domingos e dias santos de preceito e nas mais solenidades que determinar o Prelado ou o Cabido". Estatutos do Cabido Metropolitano ..., doc.cit., pp. 40v-41r.

4 ARAÚJO, José de Sousa Azevedo Pizarro e. Compilação das Memórias Dos Prelados, Bispos, e Conegos Nesta Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro […]. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, Arq. 1.3.13, f. [4v]

5 PORTO ALEGRE, Manuel de Araújo. Apontamentos Sobre e Vida e a Obra do Padre José Maurício Nunes Garcia. In Estudos Mauricianos, Rio de Janeiro: FUNARTE, 1985. Texto integral na seção Bibliografia. A Paixão já não é citada no Catálogo das Músicas da Capela Imperial, de Miguel Pedro Vasco (1902).

6 Na portaria que o nomeou mestre de capela, com data de 22 de novembro de 1770 e assinada pelo Bispo Frei Antônio do Desterro, havia a cláusula de que deveria ser zeloso para evitar que fossem apresentados "Músicas e Cantos profanos, e indecentes", tais como "vilancicos e papéis [...] se não os que forem dignos", "com pena de Excomunhão maior a todos os músicos deste nosso bispado". É o primeiro indício de que teria se limitado à função de regente. Sendo um antigo Jesuíta, teria facilidade de adquirir folhas de música originárias das colônias espanholas. MATTOS, Cleofe Person de. José Maurício Nunes Garcia - Biografia. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Biblioteca Nacional, 1997. p. 217.

7 "Aos vinte e quatro dias do ,mês de agosto de 1789, me foi apresentada uma Previsão do Exmo e R.mo Sr. D. José Joaquim Justiniano, passada aos vinte e dois dias do mês de novembro de mil, setecentos e oitenta e um anos e que provia ao R. João Lopes Ferreira no lugar de Subchantre desta Sé Catedral, cuja ocupação exerce desde o referido tempo. E para. constar, fiz este termo de registro da Sa. provisão: eu assino / o Côno. Secret.r Duarte". Acervo Musical do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro. DVD-ROM, documento CRI-SD120. Acesso: 30/10/2014.


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